sexta-feira, 8 de abril de 2016

NOTA PÚBLICA 02/2016


A Associação dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia - ASCRA vem a público manifestar sua apreensão e consternação com a denúncia de arbitrariedade da prisão das lideranças indígenas tupinambá Cacique Babau e Teity Tupinambá.

De acordo com comunicado do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (link para a notícia), as lideranças foram detidas ontem, de forma arbitrária e cercada de ilegalidades e foram, hoje, levadas para o presídio estadual de Ilhéus, sem terem respeitado seu direito a defesa.

Os Tupinambá de Olivença já tem Terra Indígena reconhecida pela FUNAI, mas aguardam sua homologação há 7 anos. Devido a sua reconhecida trajetória na luta pelos direitos indígenas, o Cacique Babau integra o Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e, por convênio com o governo baiano, a segurança do cacique é de responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo da Bahia.

Diante dos fatos e temerosa pela segurança do líderes tupinambá, a ASCRA espera um desfecho justo e humano, e se coloca em defesa dos movimentos socioambientais da Bahia e do Brasil.

terça-feira, 5 de abril de 2016

O fortalecimento necessário do servidor público e dos Comitês de Bacia é destaque do 3° Seminário Governança das Águas da Bahia

No dia 23/03/2016 a ASCRA promoveu o 3º Seminário de Governança das Águas da Bahia, com apoio da Frente Parlamentar Ambientalista, da ASSERF e da SIHS. O evento contou com um público diverso incluindo, entre outros, servidores da SEMA, do INEMA e da SIHS, estudantes, conselheiros de unidades de conservação, membros de comitês de bacias, lideranças indígenas e quilombolas, totalizando cerca de 200 participantes.

Na mesa de abertura, a presidente da ASCRA, Sara Alves, deu o tom do diálogo: o desafio de dar vez e voz às decisões dos Comitês para efetivar a participação social na gestão de recursos hídricos. Ainda na mesa de abertura, o representante da SEMA afirmou que fazer comitês de bacia sem os instrumentos de gestão é populismo e que a cobrança é um instrumento para viabilizar as ações do plano, o que nos deixa ainda mais à vontade para, enquanto cidadãos, cobrar da gestão a implantação dos instrumentos, tais como os planos de bacia e o cadastro de usuários.
 A seguir apresentamos uma síntese das ricas discussões que ocorreram ao longo do dia:

Governança e democracia
No período da manhã se realizou a Mesa “Modelo Institucional de Gestão das Águas e Participação Social”, com a participação da ex-diretora do IGAM, Marília Carvalho, da Promotora Luciana Khoury (MP/BA), da Profª Yvonilde Medeiros (UFBA) e mediada pelo Prof. Severino Agra (UFBA).
O Prof. Severino Agra (UFBA) ressaltou que a governança só pode acontecer em democracias e que o avanço da democracia impõe uma gestão pública com maior legitimidade social dos processos decisórios; e apresentou, como um dos grandes dilemas a ser resolvido na Bahia, a recente integração da outorga com o licenciamento, causando prejuízos à gestão de recursos hídricos.

Fortalecimento do servidor e outras experiências de MG
A ex-diretora do Instituto de Gestão das Águas Mineiras (IGAM) trouxe sua experiência enquanto servidora na direção de um modelo de gestão participativa, e relatou que quando assumiu a diretoria, pediu aos servidores que apresentassem sua proposta para a gestão do Instituto, porque entende que um instituto só funciona se tiver a cara dos seus servidores. Ainda trouxe diversas outras experiências que podem nos inspirar no aperfeiçoamento da nossa gestão:
  • A ida da outorga para dentro do sistema de licenciamento dificultou o controle e a consistência dos dados quantitativos do uso da água no estado, a exemplo do que acontece na Bahia;
  • Em MG, as outorgas de significativo impacto passam pela aprovação do Comitê de bacia, após a análise técnica do Instituto, para que o Comitê aprove ou não aquela outorga;
  • Em MG, 7,5% do Fhidro (o fundo de recursos hídricos) é destinado para os Comitês, e está em tramitação um projeto de ampliar esse percentual para 15%;
  • Falou sobre os diversos canais de comunicação, que conferem maior divulgação e transparência às ações em recursos hídricos: informativos do Comitê, Clipping dos Comitês, Boletim Qualidade das Águas e Informativo Fhidro;
  • Comentou sobre a avaliação de desempenho dos comitês, com base em indicativos, e que está sendo aperfeiçoada.
Para finalizar, Marília propõe como desafio a mudança de paradigma, da gestão focada em processos (número de comitês, planos, outorgas, etc.) para gestão focada em resultados (implementação dos planos, efetivação do enquadramento, discussão dos mecanismos e efetividade da cobrança, etc.); e reforça que o fortalecimento do órgão gestor e dos servidores é fundamental para o adequado funcionamento dos comitês, e vice-versa.

O papel deliberativo dos Comitês e um panorama da realidade baiana
Ainda pela manhã, a Profa. Yvonilde Medeiros (UFBA) falou sobre segurança hídrica e destacou que a Política Nacional de Recursos Hídricos estabelece que o papel dos Comitês não é só consultivo, como muitas vezes se pratica; que os Comitês são entes deliberativos e, portanto, suas decisões devem ser respeitadas. Encerrando as exposições da mesa de diálogo da manhã, a promotora Luciana Khoury (MP/BA) comentou que a flexibilização do licenciamento ambiental, sobretudo para a agricultura, grande usuária de água, fragiliza a gestão de recursos hídricos; falou sobre as deficiências nas informações por parte dos órgãos gestores de recursos hídricos na Bahia, sobretudo no que diz respeito a outorgas e cadastro de usuários; e concluiu sua apresentação traçando um panorama da realidade da gestão de recursos hídricos na Bahia: pouca sistematização e disponibilização das informações, pouco investimento em mobilização, pouca valorização e estímulo para a participação, e desrespeito às decisões colegiadas.

Conflitos socioambientais pelo uso da água

Na abertura do debate para os demais presentes, representantes quilombolas e tupinambá da APA Joanes-Ipitanga e do Comitê da Bacia do Salitre denunciaram casos obras “de desenvolvimento” sendo realizadas à revelia das comunidades tradicionais e pediram ajuda aos órgãos gestores; ainda, após o recente desastre da barragem de Mariana, não puderam deixar de se mostrar preocupados quanto à segurança das barragens baianas. Citaram os exemplos:
  • A Via Metropolitana Camaçari-Lauro de Freitas, licenciada pelo INEMA, cujo traçado atravessa as comunidades indígena e quilombola da Quingoma;
  • A barragem de Ourolândia, da CODEVASF, feita sem nenhuma consulta pública, prejudicando os quilombolas;
  • A barragem do Jambeiro, no rio Joanes.
Sobre o assunto, a promotora Luciana Khoury comentou que o Salitre é um caso que levanta preocupações ao Ministério Público; que não se tem o controle da qualidade das águas em relação aos agrotóxicos, é um dos graves problemas a enfrentar; e que o descomissionamento da barragem de Ourolândia e de outras barragens na região deve ser discutido em conjunto: pelo Ministério Público, pelo INEMA e pelo Comitê.

Cobraça sem plano de bacia
Ainda no debate, discutiu-se sobre a implantação de cobrança pelo uso da água sem que se tenha antes o plano de bacia aprovado. Sobre o assunto, Marília informou que não houve em MG nenhum caso de cobrança sem plano, e sua opinião é contrária a essa situação, já que sem planejamento para a destinação dos recursos, os mesmos iriam para o setor que tivesse mais poder dentro da bacia. A Profª Yvonilde opinou que não existe como fazer cobrança se não temos plano, se não temos enquadramento, se não temos um sistema eficiente de outorga, e se não temos informação. Luciana opina que a implementação da cobrança antes do plano deve ser discutida com os Comitês e com os técnicos, e que não pode ser uma decisão da Secretaria isoladamente.

Também se discutiu sobre a postura do órgão licenciador e seus servidores perante as deliberações dos Comitês, sobre a falta de informação motivada por vaidade institucional (mudança de bancos de dados a cada gestão), e sobre o fortalecimento institucional dos comitês, que embora necessário não se efetiva. Sobre o assunto, a Profa. Yvonilde coloca que os servidores têm que atuar como cidadãos, e que a própria organização do Seminário é uma resposta à indignação perante o sistema, e ainda questiona onde está o sistema de outorga da Bahia que era premiado, era um dos melhores do Brasil. E Marília, mais uma vez, coloca que o fortalecimento do órgão gestor – sobretudo através do fortalecimento dos seus servidores - é fundamental para o fortalecimento dos comitês, e vice-versa.

A percepção dos Comitês
Pela tarde, a Mesa “Comitês de Bacia: Realidades e Vivências” contou com a presença dos presidentes dos comitês de bacia do São Francisco e do Rio de Contas, Anivaldo Miranda e Aurelino Meira, e de Felipe Benício, membro do Comitê da bacia do Rio Doce, mediada por Gabriel Palma, servidor do INEMA e ex-diretor da ASCRA.
Gabriel Palma ressaltou a importância da democratização da informação para garantir a participação social na gestão de forma equitativa; e sugere um encontro, ainda esse ano, entre os diversos colegiados ambientais da Bahia (comitês, CONERH, CEPRAM, CIEA, etc.).

Experiências do Velho Chico
Anivaldo Miranda trouxe inúmeras informações e experiências vividas enquanto presidente do comitê do São Francisco, entre elas:
  • Comentou que a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei 9433/97, é uma lei maravilhosa, que traz todos os elementos que o país precisa para uma boa gestão de recursos hídricos, mas é pouco cumprida respeitada; e fez a analogia: “é como se fosse um roteiro de um filme maravilhoso, mas o filme precisa ser produzido”.
  • Comentou que muitos enxergam o Comitê como uma ONG; que o próprio poder público é o primeiro a tratar os Comitês como ONGs. Mas o Comitê não é ONG, é um novo ente, que surge em um contexto complexo, em que o Estado sozinho não consegue gerir os recursos públicos. Enfatizou que os Comitês precisam ser fortalecidos e empoderados, e que o poder público é o incubador desse processo. Denunciou que inúmeras vezes o poder público desconsidera as deliberações do Comitê sobre os conflitos, a exemplo das restrições de vazão da barragem de Sobradinho;
  • Informou que o Comitê está discutindo a revisão das regras de operação dos reservatórios no sentido de considerar o hidrograma natural do São Francisco;
  • Falou sobre o Pacto da Legalidade que os estados devem fazer, e que não tem como cumprir a Lei 9.433, sem Comitês empoderados, e sem os instrumentos em pleno funcionamento (planos de bacias bem feitos, gestão de águas subterrâneas, informações hidrometeorológicas, etc.);
  • Mencionou que a outorga tem que ser baseada em informações técnicas e científicas, não pode ser “no escuro”; e que para isso é preciso que se tenha muito mais informações sobre os recursos hídricos do que se tem hoje;
  • E ainda falou que é preciso mudar a nossa visão de Estado; comentou que o Estado, hoje, tem medo da sociedade.
A vivência no Rio Doce
Felipe Benício, membro do Comitê da Bacia do Rio Doce e presidente do Comitê da Bacia do Santo Antônio (MG), criticou o desrespeito do poder público perante os comitês de bacia, e exemplificou com o caso do desastre da barragem da Samarco: o poder público ignorou o Comitê nesse momento de conflito. Não empoderaram o Comitê, cujo papel é justamente o espaço de solução dos conflitos em primeira instância. Não convidaram o Comitê a participar das discussões das providências e ações a serem tomadas. E que em vez de se determinar o pagamento das multas para o Comitê realizar as ações de revitalização - já que o Comitê já é a instituição com esse papel, criaram uma nova instância, uma Fundação, e sequer convidaram o Comitê a participar. E isso criou até um descrédito da sociedade civil a respeito da importância do comitê. Um prejuízo do qual vai se demorar anos para recuperar.

Um comitê baiano
Aurelino Meira, presidente do Comitê da Bacia do Rio das Contas trouxe a experiência de um comitê de bacia baiano; mostrou o funcionamento dos comitês; relatou os conflitos no Alto Contas com produtores de batata; falou sobre as deliberações do comitê a respeito das barragens em Piatã e das PCHs no rio Gongogi; e criticou a falta de infraestrutura dos comitês baianos, que não tem sequer uma sala com um computador, um telefone e uma impressora para trabalhar e organizar suas ações, enfraquecendo-os; e que devido a falta de recursos e apoio do poder público, muitos membros deixam de participar das reuniões por não ter condições financeiras. O presidente do comitê concluiu sua apresentação solicitando que o Estado dê infraestrutura mínima aos comitês da Bahia.

No debate da tarde, outros conflitos foram apresentados pelos participantes: coordenador do Comitê da Caatinga e representante do Conselho Gestor da APA Pedra do Cavalo questionou a insuficiência da fiscalização ambiental em Feira de Santana, a exemplo dos resíduos da QGM e o lixão à beira do rio Jacuípe; já um representante da APA Bacia do Cobre/Parque São Bartolomeu comenta que a barragem que já abasteceu Salvador, hoje se encontra abandonada, e a EMBASA ainda não resolveu o problema do esgotamento sanitário na região; reclama de falta de apoio da SEMA para a qualificação dos conselheiros e para promover a discussão com as comunidades, e que a que gestão não pode se fazer só com projetos e obras, tem que ter diálogo com a comunidade local. Também surgiram sugestões para o próximo seminário: convidar o poder legislativo para apresentar relatório detalhado sobre todos os gastos com recursos hídricos; e convidar representações de quilombolas, indígenas, ribeirinhos, para discutir os conflitos existentes na Bahia.

Carta das Águas 2016
Para finalizar o Seminário, foi lida e aprovada pelo público a “Carta das Águas 2016”, produto das discussões ocorridas ao longo do dia, e que sugere proposições para o aprimoramento da gestão dos recursos hídricos baianos, com enfoque na participação social.

CARTA DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS DA BAHIA 2016

- A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DAS ÁGUAS DA BAHIA -



A Associação Pré-Sindical dos Servidores do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (ASCRA) realizou, em Salvador, no dia 23 de março de 2016, o 3º Seminário da Governança das Águas da Bahia, em comemoração ao Dia Mundial das Águas, que teve como objetivo discutir a participação social na gestão das águas no Estado e contribuir com proposições para o Encontro Nacional dos Comitês de Bacias Hidrográfica (ENCOB), a ser realizado em julho de 2016, também em Salvador.

A gestão participativa das águas é uma conquista histórica da sociedade, uma vez que as políticas anteriores eram impositivas e a gestão resumida às ações de infraestrutura. A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e a Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Lei 11.612/09 alterada pelas Leis 12.035/10, 12.212/11 e 12.377/11) inseriram elementos de controle social na gestão das águas tornando-a integrada, participativa e descentralizada. Destaca-se ainda a diretriz da Política Estadual de Recursos Hídricos que trata do estímulo e o fomento à mobilização, participação e controle social para a gestão das águas, com atenção especial à participação dos povos e comunidades tradicionais e dos segmentos sociais vulneráveis.

A participação da sociedade civil na gestão pública introduz uma mudança qualitativa na medida em que incorpora outros níveis de poder além do Estado, colocando a sociedade como elemento central no processo decisório. A participação mais evidente se materializa através dos Comitês de Bacia Hidrográfica, colegiados tripartites e paritários, compostos pela sociedade civil, usuários de água e Poder Público, de caráter normativo, consultivo e deliberativo, cabendo ao Estado organizar a criação e garantir o seu funcionamento através do órgão gestor de recursos hídricos (INEMA).

Na Bahia, a criação dos comitês começou tardiamente, a partir de 2006, e atualmente, 15 das 25 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas (divisão hidrográfica adotada pelo estado da Bahia) possuem comitês. Apesar da importância desses colegiados em um contexto crescente de conflitos pelo uso da água, o processo participativo está bem aquém da sua importância, sendo pouco reconhecido e apoiado pelo governo. 

Tal fato se deve, parcialmente, pela criação do INEMA em 2011, a partir da fusão dos órgãos gestores de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos com a justificativa de integração das respectivas Políticas. No entanto, no novo órgão a pauta de recursos hídricos foi pulverizada em diversas diretorias que possuem sérios problemas de comunicação interna, implicando no enfraquecimento da gestão. Os Comitês de Bacias, por exemplo, passaram praticamente 1 ano sem promoverem qualquer tipo de reunião, gerando um sério problema de desmotivação e esvaziamento dos espaços participativos. O fato se reflete até os dias de hoje quando se observa o elevado número de vacâncias dos segmentos nos Comitês, notadamente entre os usuários e a sociedade civil.

O INEMA tem a prerrogativa de apoiar e realizar o custeio da participação das entidades da sociedade civil nos comitês. Mudanças no processo de custeio, a partir do Decreto 16.220/2015 atingiram fortemente o processo participativo dos Comitês, uma vez que a concessão passou a obedecer a novos critérios de distância e tempo, impedindo a presença de muitos representantes da sociedade civil nas Plenárias e alijando um segmento das discussões. Isto provoca sérias assimetrias nas tomadas de decisão, principalmente num momento em que os Planos de Bacia Hidrográfica, Enquadramento dos Corpos de Água e a Cobrança pelo Uso da Água vêm sendo discutidos. 

O Plano de Bacia Hidrográfica e o Enquadramento são instrumentos de planejamento, que tem por finalidade fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos e pressupõem uma ampla participação social nos seus processos de elaboração, entretanto estão sendo negligenciados. Até o momento, o Estado da Bahia não possui nenhum plano de bacia finalizado. Recentemente os Comitês de Bacia Hidrográfica do rio Paraguaçu e Recôncavo Norte e Inhambupe foram informados do cancelamento do contrato com o Consórcio responsável pela elaboração dos Planos e Enquadramentos, ao passo que o Governo selecionou essas bacias para iniciar a implementação da cobrança pelo uso da água. Logo, a cobrança será aplicada em bacias que não possuem o plano em execução para nortear a aplicação dos recursos arrecadados. Sem o plano, como e onde serão aplicados esses recursos? 

O Estado da Bahia vem colecionando episódios de desvalorização da participação social contrariando decisões e solicitações dos Comitês de Bacias, tratando-os como colegiados meramente consultivos, mas não deliberativos. Um exemplo foi a renovação da licença da PCH Sítio Grande na bacia hidrográfica do rio Grande, sem qualquer comunicação, apesar do posicionamento contrário do Comitê e da promessa do órgão gestor, em plenária, de não renovação até que os problemas de forte oscilação de vazão fossem resolvidos, agravando assim o conflito existente. Ainda que, legalmente, as solicitações do Comitê não possam ser impostas ao órgão gestor, as mesmas deveriam ser sistematicamente incorporadas aos processos do INEMA, uma vez que cabe ao Comitê arbitrar em primeira instância administrativa os conflitos relacionados com o uso da água. 

A governança engloba a sociedade em sua totalidade, referindo-se à relação entre atores sociais e políticos e a novos arranjos institucionais. Defender na gestão participativa a prevalência dos interesses coletivos sobre os particulares é fortalecer a governança das águas e o papel dos Comitês de Bacias como o fórum para essa prática, que deve ser contínua e permanente. 

Assim, nós servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, representados pela ASCRA, e demais participantes do 3º Seminário de Governança das Águas da Bahia defendemos a adoção das seguintes proposições a fim de superar os entraves que dificultam a participação social e avançar na gestão dos recursos hídricos no Estado da Bahia: 

1 – Inclusão da prática participativa em todas as fases dos processos de decisão sobre os usos dos recursos hídricos;
2 – Manutenção de um Fórum permanente de discussão, articulação e troca de experiências entre os Comitês estaduais;
3 – Formação continuada dos membros dos comitês e de entidades da sociedade civil, com foco no fortalecimento organizacional, e na formação e qualificação das lideranças;
4 – Custeio/apoio à participação dos pequenos usuários nas reuniões dos Comitês, quando membros;
5 – Promover esforços constantes de mobilização e comunicação para apropriar a sociedade do seu papel, bem como divulgação das ações dos comitês, com vistas à sensibilização da sociedade quanto à sua importância;
6 – Divulgação das ações do órgão gestor de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente e outros entes do SEGREH, utilizando-se de vários recursos de mídia, bem como divulgação de relatórios com sistematização dos atos autorizativos emitidos;
7 – Desenvolvimento de uma avaliação da participação social e governança, com base em indicadores;
8 – Interlocução dos espaços participativos e incentivo à participação dos membros dos comitês em outros colegiados, Conselhos Gestores de Unidade de Conservação, Fóruns Territoriais e demais, para articulação e fortalecimento de projetos na área de recursos hídricos;
9 – Fortalecimento do Fórum Baiano de Comitês de Bacia, com ampla participação dos membros dos comitês;
10 – Realização de um encontro de todos os colegiados ambientais da Bahia ainda neste ano de 2016;
11 – Incorporar os saberes, práticas e visões das comunidades tradicionais na elaboração de planos, projetos e ações dos comitês;
12 – Priorizar a resolução dos conflitos de água existentes no Estado da Bahia em todos os espaços, instâncias e colegiados ambientais, com participação popular e do comitê de bacia, ;
13 – Ampliar a representação da sociedade civil que participam dos comitês, com atenção especial às comunidades quilombolas, indígenas, marisqueiros e pescadores;
14 – Criar mecanismos para a interlocução entre as decisões dos Comitês e os instrumentos de gestão de recursos hídricos e de meio ambiente, buscando efetivá-las;
15 – Estabelecer espaços permanentes de discussão técnica sobre recursos hídricos envolvendo os diversos atores: técnicos do órgão gestor, profissionais, usuários, sociedade civil, universidades;
16 – Efetivar a integração das políticas de Meio Ambiente e Recursos Hídricos nas ações e projetos do INEMA/SEMA;
17 – Publicação anual do cenário das águas do estado da Bahia, utilizando recursos do FERHBA, garantindo a imparcialidade do produto;
18 – Realização de amplo cadastro de usuários de recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, no estado da Bahia;
– Aprovação pelo Comitê de outorgas de significativo impacto;
20 – Fortalecimento do monitoramento quali-quantitativo dos recursos hídricos para subsidiar os Comitês com informações técnicas;
21 – Destinação de um percentual do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia – FERHBA para os Comitês;
22 – Boletim informativo do FERHBA, para conferir transparência à arrecadação e uso dos recursos;
23 – Garantia, pelo Estado, de infraestrutura mínima para o funcionamento adequado dos Comitês até que esses tenham recursos próprios;
24 – Formulação e implantação de um Programa Estadual de Restauração de Microbacias Hidrográficas, com a participação dos Comitês.

Subscrevem esta carta:
ASCRA - Associação dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia
Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Caatinga
Fórum Socioambiental de Feira de Santana - ECOFEIRA
Sociedade Amigos do Loteamento Vilas do Atlântico
Associação de Moradores de Areia Branca – AMAB
ONG SOS Rio Paraguaçu
E os demais participantes do 3º Seminário da Governança das Águas da Bahia.

Salvador, 23 de março de 2016