CARTA DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS DA BAHIA 2016
- A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DAS ÁGUAS DA BAHIA -
A Associação Pré-Sindical dos
Servidores do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (ASCRA) realizou, em Salvador,
no dia 23 de março de 2016, o 3º Seminário da Governança das Águas da Bahia, em
comemoração ao Dia Mundial das Águas, que teve como objetivo discutir a
participação social na gestão das águas no Estado e contribuir com proposições
para o Encontro Nacional dos Comitês de Bacias Hidrográfica (ENCOB), a ser
realizado em julho de 2016, também em Salvador.
A gestão participativa das
águas é uma conquista histórica da sociedade, uma vez que as políticas
anteriores eram impositivas e a gestão resumida às ações de infraestrutura. A
Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e a Política Estadual de
Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Lei 11.612/09 alterada pelas Leis
12.035/10, 12.212/11 e 12.377/11) inseriram elementos de controle social na
gestão das águas tornando-a integrada, participativa e descentralizada.
Destaca-se ainda a diretriz da Política Estadual de Recursos Hídricos que trata
do estímulo e o fomento à mobilização, participação e controle social para a
gestão das águas, com atenção especial à participação dos povos e comunidades
tradicionais e dos segmentos sociais vulneráveis.
A participação da sociedade
civil na gestão pública introduz uma mudança qualitativa na medida em que
incorpora outros níveis de poder além do Estado, colocando a sociedade como
elemento central no processo decisório. A participação mais evidente se materializa
através dos Comitês de Bacia Hidrográfica, colegiados tripartites e paritários,
compostos pela sociedade civil, usuários de água e Poder Público, de caráter
normativo, consultivo e deliberativo, cabendo ao Estado organizar a criação e
garantir o seu funcionamento através do órgão gestor de recursos hídricos
(INEMA).
Na Bahia, a criação dos comitês
começou tardiamente, a partir de 2006, e atualmente, 15 das 25 Regiões de
Planejamento e Gestão das Águas (divisão hidrográfica adotada pelo estado da Bahia)
possuem comitês. Apesar da importância desses colegiados em um contexto
crescente de conflitos pelo uso da água, o processo participativo está bem
aquém da sua importância, sendo pouco reconhecido e apoiado pelo governo.
Tal fato se deve, parcialmente, pela criação do INEMA em 2011, a partir
da fusão dos órgãos gestores de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos com a
justificativa de integração das respectivas Políticas. No entanto, no novo
órgão a pauta de recursos hídricos foi pulverizada em diversas diretorias que
possuem sérios problemas de comunicação interna, implicando no enfraquecimento
da gestão. Os Comitês de Bacias, por exemplo, passaram praticamente 1 ano sem
promoverem qualquer tipo de reunião, gerando um sério problema de desmotivação
e esvaziamento dos espaços participativos. O fato se reflete até os dias de
hoje quando se observa o elevado número de vacâncias dos segmentos nos Comitês,
notadamente entre os usuários e a sociedade civil.
O INEMA tem a prerrogativa de apoiar e realizar o custeio da
participação das entidades da sociedade civil nos comitês. Mudanças no processo
de custeio, a partir do Decreto 16.220/2015 atingiram fortemente o processo
participativo dos Comitês, uma vez que a concessão passou a obedecer a novos
critérios de distância e tempo, impedindo a presença de muitos representantes
da sociedade civil nas Plenárias e alijando um segmento das discussões. Isto
provoca sérias assimetrias nas tomadas de decisão, principalmente num momento em
que os Planos de Bacia Hidrográfica, Enquadramento dos Corpos de Água e a
Cobrança pelo Uso da Água vêm sendo discutidos.
O Plano de Bacia Hidrográfica e
o Enquadramento são instrumentos de planejamento, que tem por finalidade
fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual de Recursos
Hídricos e pressupõem uma ampla participação social nos seus processos de
elaboração, entretanto estão sendo negligenciados. Até o momento, o Estado da
Bahia não possui nenhum plano de bacia finalizado. Recentemente os
Comitês de Bacia Hidrográfica do rio Paraguaçu e Recôncavo Norte e Inhambupe
foram informados do cancelamento do contrato com o Consórcio responsável pela
elaboração dos Planos e Enquadramentos, ao passo que o Governo selecionou essas
bacias para iniciar a implementação da cobrança pelo uso da água. Logo, a
cobrança será aplicada em bacias que não possuem o plano em execução para
nortear a aplicação dos recursos arrecadados. Sem o plano, como e onde serão
aplicados esses recursos?
O Estado da Bahia vem
colecionando episódios de desvalorização da participação social contrariando
decisões e solicitações dos Comitês de Bacias, tratando-os como colegiados
meramente consultivos, mas não deliberativos. Um exemplo foi a renovação da
licença da PCH Sítio Grande na bacia hidrográfica do rio Grande, sem qualquer
comunicação, apesar do posicionamento contrário do Comitê e da promessa do
órgão gestor, em plenária, de não renovação até que os problemas de forte
oscilação de vazão fossem resolvidos, agravando assim o conflito existente.
Ainda que, legalmente, as solicitações do Comitê não possam ser impostas ao
órgão gestor, as mesmas deveriam ser sistematicamente incorporadas aos
processos do INEMA, uma vez que cabe ao Comitê arbitrar em primeira instância
administrativa os conflitos relacionados com o uso da água.
A governança engloba a
sociedade em sua totalidade, referindo-se à relação entre atores sociais e
políticos e a novos arranjos institucionais. Defender na gestão participativa a
prevalência dos interesses coletivos sobre os particulares é fortalecer a
governança das águas e o papel dos Comitês de Bacias como o fórum para essa
prática, que deve ser contínua e permanente.
Assim, nós servidores de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos, representados pela ASCRA, e demais participantes
do 3º Seminário de Governança das Águas da Bahia defendemos a adoção das
seguintes proposições a fim de superar os entraves que dificultam a
participação social e avançar na gestão dos recursos hídricos no Estado da
Bahia:
1 – Inclusão da prática
participativa em todas as fases dos processos de decisão sobre os usos dos
recursos hídricos;
2 – Manutenção de um Fórum permanente de discussão, articulação e troca
de experiências entre os Comitês estaduais;
3 – Formação continuada dos
membros dos comitês e de entidades da sociedade civil, com foco no
fortalecimento organizacional, e na formação e qualificação das lideranças;
4 – Custeio/apoio à
participação dos pequenos usuários nas reuniões dos Comitês, quando membros;
5 – Promover esforços
constantes de mobilização e comunicação para apropriar a sociedade do seu
papel, bem como divulgação das ações dos comitês, com vistas à sensibilização
da sociedade quanto à sua importância;
6 – Divulgação das ações do
órgão gestor de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente e outros entes do SEGREH,
utilizando-se de vários recursos de mídia, bem como divulgação de relatórios
com sistematização dos atos autorizativos emitidos;
7 – Desenvolvimento de uma
avaliação da participação social e governança, com base em indicadores;
8 – Interlocução dos espaços
participativos e incentivo à participação dos membros dos comitês em outros
colegiados, Conselhos Gestores de Unidade de Conservação, Fóruns Territoriais e
demais, para articulação e fortalecimento de projetos na área de recursos
hídricos;
9 – Fortalecimento do Fórum
Baiano de Comitês de Bacia, com ampla participação dos membros dos comitês;
10 – Realização de um encontro
de todos os colegiados ambientais da Bahia ainda neste ano de 2016;
11 – Incorporar os saberes,
práticas e visões das comunidades tradicionais na elaboração de planos,
projetos e ações dos comitês;
12 – Priorizar a resolução dos
conflitos de água existentes no Estado da Bahia em todos os espaços, instâncias
e colegiados ambientais, com participação popular e do comitê de
bacia, ;
13 – Ampliar a representação da
sociedade civil que participam dos comitês, com atenção especial às comunidades
quilombolas, indígenas, marisqueiros e pescadores;
14 – Criar mecanismos para a
interlocução entre as decisões dos Comitês e os instrumentos de gestão de
recursos hídricos e de meio ambiente, buscando efetivá-las;
15 – Estabelecer espaços
permanentes de discussão técnica sobre recursos hídricos envolvendo os diversos
atores: técnicos do órgão gestor, profissionais, usuários, sociedade civil,
universidades;
16 – Efetivar a integração das
políticas de Meio Ambiente e Recursos Hídricos nas ações e projetos do
INEMA/SEMA;
17 – Publicação anual do
cenário das águas do estado da Bahia, utilizando recursos do FERHBA, garantindo
a imparcialidade do produto;
18 – Realização de amplo cadastro de usuários de recursos hídricos,
superficiais e subterrâneos, no estado da Bahia;
– Aprovação pelo Comitê de
outorgas de significativo impacto;
20 – Fortalecimento do
monitoramento quali-quantitativo dos recursos hídricos para subsidiar os
Comitês com informações técnicas;
21 – Destinação de um
percentual do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia – FERHBA para os
Comitês;
22 – Boletim informativo do
FERHBA, para conferir transparência à arrecadação e uso dos recursos;
23 – Garantia, pelo Estado, de
infraestrutura mínima para o funcionamento adequado dos Comitês até que esses
tenham recursos próprios;
24 – Formulação e implantação
de um Programa Estadual de Restauração de Microbacias Hidrográficas, com a
participação dos Comitês.
Subscrevem esta carta:
ASCRA - Associação dos
Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia
Comitê Estadual da Reserva da
Biosfera da Caatinga
Fórum Socioambiental de Feira
de Santana - ECOFEIRA
Sociedade Amigos do Loteamento
Vilas do Atlântico
Associação de Moradores de
Areia Branca – AMAB
ONG SOS Rio Paraguaçu
E os demais participantes do 3º
Seminário da Governança das Águas da Bahia.
Salvador, 23 de março de 2016
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