terça-feira, 5 de abril de 2016

CARTA DA GOVERNANÇA DAS ÁGUAS DA BAHIA 2016

- A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DAS ÁGUAS DA BAHIA -



A Associação Pré-Sindical dos Servidores do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (ASCRA) realizou, em Salvador, no dia 23 de março de 2016, o 3º Seminário da Governança das Águas da Bahia, em comemoração ao Dia Mundial das Águas, que teve como objetivo discutir a participação social na gestão das águas no Estado e contribuir com proposições para o Encontro Nacional dos Comitês de Bacias Hidrográfica (ENCOB), a ser realizado em julho de 2016, também em Salvador.

A gestão participativa das águas é uma conquista histórica da sociedade, uma vez que as políticas anteriores eram impositivas e a gestão resumida às ações de infraestrutura. A Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e a Política Estadual de Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Lei 11.612/09 alterada pelas Leis 12.035/10, 12.212/11 e 12.377/11) inseriram elementos de controle social na gestão das águas tornando-a integrada, participativa e descentralizada. Destaca-se ainda a diretriz da Política Estadual de Recursos Hídricos que trata do estímulo e o fomento à mobilização, participação e controle social para a gestão das águas, com atenção especial à participação dos povos e comunidades tradicionais e dos segmentos sociais vulneráveis.

A participação da sociedade civil na gestão pública introduz uma mudança qualitativa na medida em que incorpora outros níveis de poder além do Estado, colocando a sociedade como elemento central no processo decisório. A participação mais evidente se materializa através dos Comitês de Bacia Hidrográfica, colegiados tripartites e paritários, compostos pela sociedade civil, usuários de água e Poder Público, de caráter normativo, consultivo e deliberativo, cabendo ao Estado organizar a criação e garantir o seu funcionamento através do órgão gestor de recursos hídricos (INEMA).

Na Bahia, a criação dos comitês começou tardiamente, a partir de 2006, e atualmente, 15 das 25 Regiões de Planejamento e Gestão das Águas (divisão hidrográfica adotada pelo estado da Bahia) possuem comitês. Apesar da importância desses colegiados em um contexto crescente de conflitos pelo uso da água, o processo participativo está bem aquém da sua importância, sendo pouco reconhecido e apoiado pelo governo. 

Tal fato se deve, parcialmente, pela criação do INEMA em 2011, a partir da fusão dos órgãos gestores de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos com a justificativa de integração das respectivas Políticas. No entanto, no novo órgão a pauta de recursos hídricos foi pulverizada em diversas diretorias que possuem sérios problemas de comunicação interna, implicando no enfraquecimento da gestão. Os Comitês de Bacias, por exemplo, passaram praticamente 1 ano sem promoverem qualquer tipo de reunião, gerando um sério problema de desmotivação e esvaziamento dos espaços participativos. O fato se reflete até os dias de hoje quando se observa o elevado número de vacâncias dos segmentos nos Comitês, notadamente entre os usuários e a sociedade civil.

O INEMA tem a prerrogativa de apoiar e realizar o custeio da participação das entidades da sociedade civil nos comitês. Mudanças no processo de custeio, a partir do Decreto 16.220/2015 atingiram fortemente o processo participativo dos Comitês, uma vez que a concessão passou a obedecer a novos critérios de distância e tempo, impedindo a presença de muitos representantes da sociedade civil nas Plenárias e alijando um segmento das discussões. Isto provoca sérias assimetrias nas tomadas de decisão, principalmente num momento em que os Planos de Bacia Hidrográfica, Enquadramento dos Corpos de Água e a Cobrança pelo Uso da Água vêm sendo discutidos. 

O Plano de Bacia Hidrográfica e o Enquadramento são instrumentos de planejamento, que tem por finalidade fundamentar e orientar a implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos e pressupõem uma ampla participação social nos seus processos de elaboração, entretanto estão sendo negligenciados. Até o momento, o Estado da Bahia não possui nenhum plano de bacia finalizado. Recentemente os Comitês de Bacia Hidrográfica do rio Paraguaçu e Recôncavo Norte e Inhambupe foram informados do cancelamento do contrato com o Consórcio responsável pela elaboração dos Planos e Enquadramentos, ao passo que o Governo selecionou essas bacias para iniciar a implementação da cobrança pelo uso da água. Logo, a cobrança será aplicada em bacias que não possuem o plano em execução para nortear a aplicação dos recursos arrecadados. Sem o plano, como e onde serão aplicados esses recursos? 

O Estado da Bahia vem colecionando episódios de desvalorização da participação social contrariando decisões e solicitações dos Comitês de Bacias, tratando-os como colegiados meramente consultivos, mas não deliberativos. Um exemplo foi a renovação da licença da PCH Sítio Grande na bacia hidrográfica do rio Grande, sem qualquer comunicação, apesar do posicionamento contrário do Comitê e da promessa do órgão gestor, em plenária, de não renovação até que os problemas de forte oscilação de vazão fossem resolvidos, agravando assim o conflito existente. Ainda que, legalmente, as solicitações do Comitê não possam ser impostas ao órgão gestor, as mesmas deveriam ser sistematicamente incorporadas aos processos do INEMA, uma vez que cabe ao Comitê arbitrar em primeira instância administrativa os conflitos relacionados com o uso da água. 

A governança engloba a sociedade em sua totalidade, referindo-se à relação entre atores sociais e políticos e a novos arranjos institucionais. Defender na gestão participativa a prevalência dos interesses coletivos sobre os particulares é fortalecer a governança das águas e o papel dos Comitês de Bacias como o fórum para essa prática, que deve ser contínua e permanente. 

Assim, nós servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, representados pela ASCRA, e demais participantes do 3º Seminário de Governança das Águas da Bahia defendemos a adoção das seguintes proposições a fim de superar os entraves que dificultam a participação social e avançar na gestão dos recursos hídricos no Estado da Bahia: 

1 – Inclusão da prática participativa em todas as fases dos processos de decisão sobre os usos dos recursos hídricos;
2 – Manutenção de um Fórum permanente de discussão, articulação e troca de experiências entre os Comitês estaduais;
3 – Formação continuada dos membros dos comitês e de entidades da sociedade civil, com foco no fortalecimento organizacional, e na formação e qualificação das lideranças;
4 – Custeio/apoio à participação dos pequenos usuários nas reuniões dos Comitês, quando membros;
5 – Promover esforços constantes de mobilização e comunicação para apropriar a sociedade do seu papel, bem como divulgação das ações dos comitês, com vistas à sensibilização da sociedade quanto à sua importância;
6 – Divulgação das ações do órgão gestor de Recursos Hídricos e de Meio Ambiente e outros entes do SEGREH, utilizando-se de vários recursos de mídia, bem como divulgação de relatórios com sistematização dos atos autorizativos emitidos;
7 – Desenvolvimento de uma avaliação da participação social e governança, com base em indicadores;
8 – Interlocução dos espaços participativos e incentivo à participação dos membros dos comitês em outros colegiados, Conselhos Gestores de Unidade de Conservação, Fóruns Territoriais e demais, para articulação e fortalecimento de projetos na área de recursos hídricos;
9 – Fortalecimento do Fórum Baiano de Comitês de Bacia, com ampla participação dos membros dos comitês;
10 – Realização de um encontro de todos os colegiados ambientais da Bahia ainda neste ano de 2016;
11 – Incorporar os saberes, práticas e visões das comunidades tradicionais na elaboração de planos, projetos e ações dos comitês;
12 – Priorizar a resolução dos conflitos de água existentes no Estado da Bahia em todos os espaços, instâncias e colegiados ambientais, com participação popular e do comitê de bacia, ;
13 – Ampliar a representação da sociedade civil que participam dos comitês, com atenção especial às comunidades quilombolas, indígenas, marisqueiros e pescadores;
14 – Criar mecanismos para a interlocução entre as decisões dos Comitês e os instrumentos de gestão de recursos hídricos e de meio ambiente, buscando efetivá-las;
15 – Estabelecer espaços permanentes de discussão técnica sobre recursos hídricos envolvendo os diversos atores: técnicos do órgão gestor, profissionais, usuários, sociedade civil, universidades;
16 – Efetivar a integração das políticas de Meio Ambiente e Recursos Hídricos nas ações e projetos do INEMA/SEMA;
17 – Publicação anual do cenário das águas do estado da Bahia, utilizando recursos do FERHBA, garantindo a imparcialidade do produto;
18 – Realização de amplo cadastro de usuários de recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, no estado da Bahia;
– Aprovação pelo Comitê de outorgas de significativo impacto;
20 – Fortalecimento do monitoramento quali-quantitativo dos recursos hídricos para subsidiar os Comitês com informações técnicas;
21 – Destinação de um percentual do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da Bahia – FERHBA para os Comitês;
22 – Boletim informativo do FERHBA, para conferir transparência à arrecadação e uso dos recursos;
23 – Garantia, pelo Estado, de infraestrutura mínima para o funcionamento adequado dos Comitês até que esses tenham recursos próprios;
24 – Formulação e implantação de um Programa Estadual de Restauração de Microbacias Hidrográficas, com a participação dos Comitês.

Subscrevem esta carta:
ASCRA - Associação dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia
Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Caatinga
Fórum Socioambiental de Feira de Santana - ECOFEIRA
Sociedade Amigos do Loteamento Vilas do Atlântico
Associação de Moradores de Areia Branca – AMAB
ONG SOS Rio Paraguaçu
E os demais participantes do 3º Seminário da Governança das Águas da Bahia.

Salvador, 23 de março de 2016

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